“Naquele São João”: vivendo outras experiências, seguimos para 2021!
Por Aterlane Martins.
“Eu fiquei tão triste, eu fiquei
tão triste
Naquele São João (...)
Agora minha tristeza mandei embora
Você chegou bem na hora, meu amor chegou.
Vamos simbora...”[i]
“Nós somos o São João, sempre”,
assim encerrávamos nosso primeiro texto escrito nas prévias de junho e
publicado aqui há exatos 30 dias. Nele pontuávamos o que viria a ser este inédito ciclo junino de 2020. Hoje, retornando
aqui, refletiremos sobre algumas das tantas novas experiências, agora já vividas
nesse ínterim, apontando rumos para 2021 e para os novos ciclos juninos que se
seguirão adiante.
Eu fiquei tão triste...
Tristeza, frente ao ameaçador e desconhecido vírus, foi o
sentimento que nos arrebatou desde que a pandemia se instalou e mudou, quase toda
a nossa vida, mas em especial, entre nós quadrilheiros, os planos para os
festejos juninos de 2020.
Grupos de quadrilhas juninas parados – sem ensaios, sem
apresentações; festivais cancelados – praças, quadras, ginásios, ruas, cidades
vazias; profissionais da cultura junina, isolados, se reinventando para bem
sobreviver. Um silêncio quase ensurdecedor do Estado, uma inércia nas políticas
públicas já afirmadas(?), deixou-nos entre anúncios, promessas e o vazio, numa
ausência de diálogo entre os entes governamentais e o movimento junino
cearense.
Ausência de encontros e reencontros afetivos, entre amigos e
amores juninos, que sempre se dão exclusivamente nestes momentos a cada ano não
aconteceram presencialmente. O distanciamento social impediu as danças em par,
os aconchegos, os chamegos nos forrós, nos baiões, nos xotes, nas quadrilhas.
As quermesses, com bandeirinhas, balões, fogueiras, comuns após os atos
religiosos em devoção aos santos juninos, não aconteceram. A falta daquela
comidinha da época – o milho, a pamonha, os bolos, o mungunzá, as batatas
assadas, o quase desaparecido aluá, entre tantos outros sabores juninos, não
foram encontrados e aumentaram nossas fomes juninas.
Nessa condição extrema, nos reinventamos. A tristeza foi se
convertendo em esperança. Adaptações e novidades surgiram, o espaço virtual, as
redes sociais, as plataformas digitais foram sendo ocupadas pelas cores, pelos
sons, pelas coreografias e pelos pensamentos do movimento junino em sua
diversidade. A virtualidade possibilitou unir aqueles que presencialmente
talvez não se encontrariam, por uma distância física impeditiva. Assim,
cruzamos fronteiras, materiais e imateriais, e, de algum modo, festejamos
juntos. Superamos aquela tristeza inicial. Em 2020, houve um São João!
Agora minha tristeza mandei embora...
O São João 2020 já é o passado junino mais recente que temos. Sim,
vivenciamos e festejamos mais um São João que ficará marcado em nossas vidas!
Os encontros virtuais se tornaram a melhor forma para amenizar a
separação dos corpos, mesmo sem substituir o calor humano dos encontros presenciais
pela frieza da transmissão nas telas dos equipamentos eletrônicos, assistimos e
interagimos emocionados nas lives juninas. Quadrilhas, grupos
regionais musicais, mestres da cultura junina, personagens de destaque e
profissionais da cultura junina do São João do Ceará foram vistos, ouvidos e
estão registrados nestes momentos que ficarão para a posteridade, uma
experiência da qual éramos muito carentes: o registro e a disponibilização
pública das memórias juninas.
Os festivais juninos se transformaram em concursos online[ii].
Com ampla divulgação foram transmitidos por meio de redes sociais das mídias e
organizações juninas, de instituições públicas e privadas. Reproduzidos em
telefones celulares, computadores e televisores, as quadrilhas, os destaques e
os casamentos juninos chegaram ao público fiel do São João em suas casas. Os
jurados foram mobilizados e, também direto de suas casas, exerceram a
função de avaliar à distância e em novos formatos de apresentação os
espetáculos juninos e seus personagens[iii].
Entre tantos eventos, destaco os concursos de Rainhas G[iv],
que apresentaram e elegeram as representantes da diversidade sexual
dentro do movimento junino, que desde algum tempo vem trazendo à tona as
questões de gênero em suas formações de jurados e colaborando no combate às
opressões estruturais e históricas, como a lgbtfobia. No mesmo esteio de ação
política, vimos estarrecidos um caso de racismo[v]
ocorrido durante um concurso nacional de Rainhas promovido por um portal de
notícias juninas, ao qual, imediatamente contra o racista, formou-se uma
mobilização de proporções nacionais, notas de repúdio, registro policial,
matérias na imprensa tradicional e independente, foram as formas de combater
esta mácula social brasileira no meio junino, onde o racismo não prosperará!
O movimento junino organizado do Ceará (União Junina, Fejuc e
Mojuni) apresentou duas cartas reivindicatórias[vi]
ao Estado (Secult Ce), requerendo informações e diálogo sobre as ações públicas
de cultura neste momento de crise, não obteve respostas, mas continua na luta,
porque sabe que o São João se constrói enfrentando novos embates a cada ano.
Porque sabe que os milhares de quadrilheiros cearenses, por hora esquecidos
pelo Estado, formam o nosso maior e mais organizado movimento cultural, que já
resistiu e resiste às intempéries efêmeras das gestões públicas e dele não
depende, mas exige o direito ao fomento da cultura.
Vamos simbora...
Antes de partir, falaremos dos espaços de aprendizado
recíproco que surgiram ou se fortaleceram neste ciclo junino. Porque cremos,
que para além do aspecto cultural das festas juninas, a educação sempre será um
apoio à sua continuidade, e melhoramento contribuindo para a inclusão de todas,
todos e todes.
Entre tantas formações – mesas virtuais, seminários
e aulas-lives[vii]
–, que estabeleceram diálogos entre profissionais e personalidades juninas com
estudiosos e pesquisadores do movimento junino brasileiro, muitos dentre eles
cearenses, ficou a constatação de que muito conhecimento já foi construído, mas
um tanto ainda maior carece de ser estudado, pesquisado, registrado e divulgado
para que se possa contar as tantas histórias de São João deste Ceará e do
Brasil afora. Neste mesmo movimento, a Rede de Pesquisadores em Cultura
Junina[viii]
se mobilizou e está reestabelecendo suas atividades, formativas, acadêmicas,
técnicas, e de atuação política.
Já finalizando este texto, rumo às “festas julinas”, mês que tem sido marcado pela extensão das festividades do São João, resta-nos apenas reafirmar: Sigamos em ritmo de São João, ele não para, ele somos nós em movimento!
[i] Naquele São João, composição de Antônio
Barros e Cecéu, gravada pelo Trio Nordestino, no disco É forró que vamos ter,
em 1968. Consulte a discografia do Trio Nordestino: https://www.trionordestino.com.br/discografia3.php
[ii] Concurso de Rainhas Arraiá do Ceará –
Se liga VM: https://globoplay.globo.com/v/8656838/ / 1ª Festival de
Quadrilhas On-Line de Iguatu/CE: https://www.youtube.com/watch?v=ccSbR6Yezj0 / Live – Campos
Sales Junino - Edição Especial 2020: https://www.youtube.com/watch?v=274kJnHBpj0
[iii] IV Alto Santo Junino online – concurso de
casamentos juninos: https://www.facebook.com/GovernodeAltoSanto/videos/2351015891866506
[iv] Concurso Destaques Juninos Ciranda Mídia: https://www.youtube.com/watch?v=c0Bg092zvEk&list=UUKHuvhTgN6va9gmfyMcdyrA
[v] Concurso de Rainha Nacional do São João pelo
Portal Ispia: https://istoe.com.br/miss-junina-paraense-e-alvo-de-ataque-racista-na-internet/
[vi] Cancelamento do Edital Ceará Junino 2020: https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/verso/apos-cancelamento-do-edital-ceara-junino-secult-ce-estuda-alternativa-para-o-setor-1.2237367 /
Carta Aberta do movimento junino do Ceará: https://www.instagram.com/p/CA8uLhpB_jH/
[vii] Encontro de Pesquisadores de
Quadrilha e Festa Junina – Cais do sertão: https://www.youtube.com/watch?v=lGZ1stOGVtE / Live 1 – Histórico do Movimento Junino Cratense: https://www.instagram.com/tv/CB4DCy5BEUk/?hl=pt-br / Aula-live: Ser Junino, com Lourdes Macena: https://www.instagram.com/tv/CBebD23lqcp/?hl=pt-br / Aula-live: A tradição da música junina (NE): elementos
musicais, com Nonato Cordeiro: https://www.instagram.com/tv/CBjgf8MFLDJ/?hl=pt-br / Casamento Matuto, teatro sertanejo, com Raimundo
Claudino: https://culturadendicasa.secult.ce.gov.br/formacao/casamento-matuto-teatro-sertanejo/
/ São João, cultura, folguedo e resistência:
https://www.youtube.com/watch?v=n10zH5W0xJc
[viii] A Rede
Nacional de Pesquisadores em Cultura Junina – RNP Cultura Junina, criada em
Fortaleza, em agosto de 2016, é uma rede que atua, presencial e virtualmente,
reunindo pesquisadores e estudiosos nacionais a fim de promover a produção de
conhecimento sobre a cultura junina. Contribui para a formação acadêmica,
profissional e técnica dos seus agentes desenvolvendo cursos, seminários e
outras ações em parceria com instituições de ensino. Tem atuação política
propondo, apoiando e integrando ações do Estado e das instituições do movimento
junino. Perfil da RNP Cultura Junina: https://www.instagram.com/rnpculturajunina/
Aterlane Martins é professor (IFCE campus de Quixadá), historiador e pesquisador (GEPPM UFC/CNPq) do campo do patrimônio cultural. É quadrilheiro e jurado de festivais de quadrilhas juninas desde os anos 1990. Integra o movimento junino, atualmente, envolvendo-se com estudos e formação, efetivados a partir da Rede Nacional de Pesquisadores em Cultura Junina (em processo de rearticulação) e na participação em projetos públicos e privados na área cultural, em especial dos festejos juninos. Autor do texto “Brincando com o coração”: festas juninas em tempos de pandemia, publicado aqui no dia 1º de junho, abrindo a programação do Trilhas Juninas.
Muito bom. Parabens
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