Serão virtuais os museus do futuro?


Por Adson Rodrigo Silva Pinheiro

Hoje, diante da pandemia do novo coronavírus, quando pensamos nos museus, é possível viajar para um futuro incerto. A realidade e o campo cultural nos obrigam a não sermos tão otimistas e a enxergar um cenário bem problemático diante da situação atual, com atividades presenciais e visitas físicas suspensas. Deste momento decorre a inquietação de encontrar soluções práticas para suavizar as implicações advindas da crise vivida e vindoura, encontrando novos caminhos para a sustentabilidade econômica e social dessas instituições.
Entre os desafios se encontram: 1) o processo de reabertura, compreendendo os cuidados relacionados à biossegurança, a fim de garantir a saúde e o bem estar de trabalhadores e visitantes; 2) a diminuição do quadro de funcionários para o atendimento de muitas atividades essenciais como a conservação e difusão de acervos, além das ações educativas; 3) o encontro de estratégias de comunicação e educação digital; 4) e a manutenção dos serviços básicos de infraestrutura, diante de um processo de recuperação financeira onde a cultura não é percebida como bem primordial para a vida em sociedade.
Para planejarmos ou mesmo nos situarmos nesse processo de (re)construção, há a necessidade renovada de definirmos o que é o museu nas comunidades e dentro das políticas públicas, qual sua missão e condições para chegar aonde deseja diante das (in)certezas que são (in)esperadas.
Com o isolamento social, as unidades museológicas, que de alguma forma estavam inseridas no mundo virtual, viram no uso da internet a oportunidade de lidar com os problemas da ausência de público e as muitas possibilidades para pensar processos de difusão do seu patrimônio cultural. As visitas virtuais, lives, informações históricas por meio de fotografias ou documentos, memes e disponibilização de publicações online vêm preenchendo as redes sociais. Muitas delas recém criadas e, de certo modo, produzidas ainda de forma improvisada.
Os museus visam chegar em diversos públicos em várias localidades geográficas, difundindo pela rede informações do que possuem. Parece correto. No entanto, é preciso questionar: quais conexões esses museus querem criar com essas novas comunidades que desejam alcançar?
É necessário estar atento na elaboração desses novos modos de expor acervos, coleções e mostras, construindo ideias conceituais que podem ser melhor exploradas em seus potenciais, trabalhando as linguagens do design e as linguagens digitais interativas, muitas vezes desconhecidas por quem operacionaliza e gere as redes sociais.
A presença online dos museus não é um fator de impedimento à concretização dos seus objetivos no que diz respeito à aproximação de visitantes, mas deve ser analisada como um instrumento de comunicação estruturado, a fim de contribuir para o estreitamento responsável da relação museupúblico e o conhecimento que pode ser produzido no ambiente virtual.
Diante desses encontros na esfera virtual, é importante considerar a definição de uma proposta pedagógica específica, a acessibilidade ao grande público e as novas gerações de visitantes que buscarão encontrar um lugar com novas dinâmicas de acesso e comunicação das heranças culturais e das identidades sociais.
Apenas colocar uma informação diante do público-observador pode não garantir uma adequada fruição da mensagem que se quer emitir. É necessário evitar uma percepção instrumentalizante das mídias digitais. Deve-se planejar, escolher a forma como essas informações serão dispostas e como elas agregarão capacidades interpretativas e questionadoras, que contribuam para o aumento do repertório cultural dos visitantes e uma possível reelaboração dos seus conhecimentos. 
Nesse novo cenário há ainda o desafio de ver o público não como plateia genérica, mas como mulheres, homens, jovens, crianças, adultos e idosos em condições sociais, educacionais, econômicas e culturais distintas e desiguais, que querem e devem igualmente participar, contribuir e refletir sobre os processos de preservação do patrimônio cultural junto com o corpo técnico das instituições. O desafio está em propor atividades que garantam um auto(re)conhecimento coletivo e autônomo. Cada pessoa que participa, pode selecionar o que esse “museu do futuro” deve abrigar, conhecendo mais a si mesmos e ao mesmo tempo a comunidade à qual pertence. Mas pensemos: as ferramentas virtuais disponíveis hoje possibilitam enfrentar esse desafio?
Afinal, seremos outros pós-pandemia. As relações devem mudar, a produção cultural vai se redefinir, e os espaços museais terão que arcar também com esse desafio que vai exigir sensibilidade e criatividade.






ADSON RODRIGO SILVA PINHEIRO é Doutorando em História Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Especialista em Gestão e Políticas Culturais da Universidade de Girona (Espanha) em colaboração com o Observatório Itaú Cultural - SP. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisa em Patrimônio e Memória (UFC). Membro associado do Comitê Brasileiro do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (ICOMOS-BRASIL).

Comentários

  1. Muitos boas reflexões e apontamentos necessários de pautas a se questionar antes de pôr em prática as "novidades" que a pandemia nos impõe.
    Ah, os museus...

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  2. Importantes reflexões. Penso que as crises que a pandemia tem causado nos levarão a muitas questões que ainda não conseguimos responder. O texto reflete os desafios do nosso tempo.

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  3. Excelente reflexão. Realmente diante deste novo cenario tivemos que nos reinventar em diversas esferas e muitas vezes de improvisos. Porém já estamos cientes que após esta pandemia precisamos aprimorar certas práticas que poderão nos auxiliar cada vez mais no âmbito educacional e cultural através da inovação e promover cada vez mais a inclusão.

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  4. Sempre penso de que forma o digital pode ser usado para democratizar o conhecimento e não para excluir (pessoas, instituições, etc.).

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